O caminho que dá ao
abismo
BENEDITO MACHOCO
“A mulher deve deixar de se considerar o
objecto da concupiscência do homem. O remédio está em suas mãos mais que nas
mãos do homem”
(Mahatma Gandhi ).
A Luísa é uma mulher
sem auto estima, despojada. Perdeu o gosto pela vida. Espera pelo seu dia, já
implorou muito à Deus para que a tire desse mundo.
- Ó Deus pai, porque
continua me mantendo viva neste mundo cruel de tanto sofrimento? Porque não me
leva de uma só vez para junto de vós? – Implora desesperada a cada anoitecer.
Não vê a hora para partir desta vida, o mundo comenta mal dela. – Com a idade que tem ainda continua a viver
sob tutela dos pais, não tem marido. E olha só para ela, nem tem vergonha,
continua a parir filhos sem pais em casa dos pais. Faltam só dois para
completar uma equipa de futebol. Acusam.
A Luísa que em tempos
fora a menina mais bela do bairro de manhaua, hoje, infelizmente, passa as
noites em claro, caminha alerta sob pena de surpreender os transuentes
escarnecendo-a às costas.
A história de Luísa é
mais uma de tantas mulheres moçambicanas, quiçá do mundo, que no passado
tiveram escolhas erradas ou por outra, deixaram-se entregar aos prazeres
mundanos motivadas pela sua beleza feminina bem proporcionada, de apelo sexual,
característica de mulheres negras. E ainda pelos bens materiais alheios. Viveu
durante quase toda sua adolescência cercada de rapazes da sua escola que,
vigiavam de quando em quando a sua metamorfose. Rejeitou quase a todos os
rapazes que pelo menos aproximavam-se-lhe com boas intenções, que a desejavam
para no futuro casar com véu e grinalda no altar. Entretanto, alegava serem
pobres e que não a levariam a lado nenhum, até que um dia conheceu um tal de
Ambrósio ex-regressado da Republica Democrática Alemã (R. D. A). O homem era
muito poderoso, detentor de um vasto acervo material desde aparelhagens sonoras
(RFT), motorizadas de marca MZ, vídeo cassete, televisores, geleira eléctrica e
a petróleo, fogão eléctrico, gerador de energia eléctrica e outro mobiliário de
invejar (em 1990 era luxo ter um televisor, até porque contavam-se aos dedos da
mão as famílias Quelimanenses que possuíam esta “caixinha mágica”. Tinha uma
casa acolhedora, o seu quintal era um clube de cinema, nas noites as crianças
acorriam-se para brincar de baixo da luz eléctrica.
Foi deste homem de
quem a Luísa apaixonou-se, um homem casado que tinha quase a idade do seu pai,
o homem mais desejado do bairro. Alegrava-se com os passeios na boleia de MZ
com um homem vestido de fato de napa em pleno verão no asfalto.
Ambrósio
prometera-lhe um mar de rosas, um apartamento no bairro administrativo.
Pretendia distanciar-se do chão que o viu nascer e crescer, sentir-se
verdadeiramente no prédio, ver a cidade aos seus calcanhares, a grata mirragem das águas do rio dos Bons
Sinais. Sempre viveu agoniada por ter pais pobres, tinha até vergonha de os
apresentar aos seus amigos, maldizia do seu bairro, sem passeios, estradas
asfaltadas, um bairro propenso a cheias.
Com efeito, ela foi
vivendo de ilusões, não perdoou o seu jovem corpo de adolescente, entregou-o
totalmente ao Ambrósio, o bajulador de miúdas da zona. Com seus dezasseis anos
tornou-se mãe de um menino indefeso, inocente, fruto do pecado. Abandonou a
escola na quinta classe. Os pais, simplesmente mantiveram-se indiferentes
quanto ao comportamento tomado pela filha. Limitavam-se apenas em se regozijar
com as delícias que a filha servia à mesa, desde corned-beef, pão, alface,
margarina, bolachas de farinha de milho e alguns quilos de carapau e arroz. No
entanto, haviam encontrado na filha um jazigo de prosperidade, que podia sanar
com as necessidades primárias da família. Para eles, ela podia passear á
vontade, porém, mediante uma condição que ia desde a responsabilidade pelos
suplementos para o recém-nascido, o resto da família e algumas moedas para o
Sr. Madoro o pai da rapariga para comprar algumas chidjangwas catchassu
(aguardente fabricada na base de farelo fermentado; de cana doce ou de frutas).
O bebé ficava sob tutela da dona Mwandrovesa, mãe da Luísa a sua confidente.
Os tempos foram
passando e o agregado familiar foi aumentando em quantidades assimétricas a
qualidade de vida que se levava no seio da família. Falta leite para as
crianças, falta almoço, falta jantar na mesa; a casa virou um inferno as
crianças choram em tudo quanto é canto de casa, não há sossego. O Sr. Madoro
reclama das suas habituais chidjangwas de
catchassus que já não as via fazia tempo.
Não obstante,
Ambrósio evaporara da vida de Luísa, não quer mais saber dela, roubou-lhe a
virgindade e deixou-a com máculas indeléveis. Os filhos conhecem-no a distância
porque um dia a mãe os dissera que aquele homem que vai de mota era o pai. E
assim eles dizem aos amigos ‘‘ aquele
senhor que está a guiar aquela mota é meu pai’’.Portanto, é nestas condições que se encontra
a nossa amiga, abandonada, conspurcada sem beira e nem eira. Luta por um
marido, um que possa a aceitar com todos seus filhos, o que não é fácil numa
sociedade onde uma mulher deve se casar virgem. É verdade que nos dias que
correm as sociedades africanas tendem a assimilar comportamentos ocidentais,
quase já não é problema nenhum casar uma mulher que já tenha procriado, o que é
bom no meu ver. Porém, é sempre bom iniciar a vida á dois, isto é, ambos
participarem na construção do seu futuro, desde a superação de obstáculos
encontrados ao longo da caminhada até o erguer do troféu e, para que ambos se
sintam protagonistas da vida que levam e que se evitem as expressões: essa casa é minha, sai da minha casa, os
teus filhos são insuportáveis etc.
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